Minhas raízes cresceram no asfalto
Há mais de vinte anos, resolvi que deu: eu ia mudar pra São Paulo. Não tinha nada concreto, nada armado, apenas a minha vontade incrível de sair daquela cidade que me sufocava. Eu não queria trabalhar com publicidade e trabalhava, eu não queria estudar jornalismo e estudava, eu não queria mais dividir a vida e dividia. Não era nada daquilo; eu precisava ir embora. E vim. Dez discos, dez livros, dois pares de sapatos e duas malas grandes. Um microquarto de fundos em Pinheiros e toda uma cidade me abrindo as pernas e as possibilidades. Eu sentia a eletricidade do ar e passava perrengue, eu fazia novos amigos e sexo como se não houvesse amanhã, e, bom, não havia, sempre só há o hoje quando se tem os vinte e dois anos que eu tinha. Disso veio meu primeiro romance, que escrevi com mesma pressa que vivia naquela época. E vieram as ilusões de ser uma escritora, uma incrível síndrome de Bandini delirante pensando em dominar a cidade e todos nela. É claro que nada disso aconteceu, eu era uma mulher escrevendo no Brasil, isso nunca daria certo, e eu fui despejada, levei um pé na bunda e achei que fosse morrer de amor romântico pela primeira vez. Nunca morri. A cidade é uma personagem neurótica e constante na minha obra, jamais acolhedora, sempre opressora. O Rio e sua Zona Sul também aparecem como personagens romantizados na cabeça de uma turista. Lar do meu coração. Sigo em São Paulo, madrasta sortuda do meu talento, e dificilmente sairei daqui. É possível criar raízes onde você não nasceu, e as minhas são aqui.
* está gostando da newsletter? Considere mudar sua assinatura para pagar . Assim você ajuda uma escritora independente a continuar fazendo arte em um ambiente hostil! custa menos que um litrão: R$10