Essa época do ano me dá vontade de morrer. O clima de fim, os festejos, a falta de perspectiva para os próximos meses. Deve ser massa ter décimo terceiro, deve ser assim que as pessoas e alegria delas sobrevivem. Esse ano foi ruim. Mudei três vezes de casa contra a minha vontade, perdi caixas, perdi roupas, perdi tempo, perdi minha sanidade. Parei com os remédios, tive um surto, fui na UPA (viva o SUS), arrumei uma psiquiatra que me tirou da lama, mas a lama persiste. Odeio essa casa que veio às pressas, odeio a ladeira e as escadas, mas é o que tem. Eu deveria estar satisfeita, eu tenho casa, tanta gente sem casa, agradeça, Clara, agradeça… Não. Estou com bursite no ombro e não consigo dançar direito, sem minha paixão, sem meu escape. Fisioterapia custa. Agradeça, podia ser pior. Pois eu to cansada de agradecer pelo mínimo. Minha vida decaiu e não foi isso que eu planejei. Quero poder reclamar e expressar minha infelicidade. Moro longe do que conheci a vida adulta inteira, minhas ruas do centro, minha sujeira, meu chão. Minhas raízes cresceram nesse asfalto paulistano e sinto que não tenho pra onde ir. Sem lugar no mundo. Fim de ano, detesto, poucos alunos, muito pouco dinheiro, todo ano é isso. Mas por que você não arruma um emprego, Clara? Porque não é fácil assim. Eu tento. Qualificada demais para vagas ou com experiência de menos. São 25 anos nas letras. Não serve pra nada. Todo escritor tem outro emprego. O meu é dar aulas. Fim de ano ninguém quer fazer aulas. Como é que eu vou viver? Uma mulher adulta, professora e mentora de escrita, 49 mil seguidores, como pode não ter dinheiro, disse uma ignorante esses dias na internet. Bom, escrever não dá dinheiro, se você tem editora, ganha 10% do preço de capa, se não tem, corre pra vender livros de forma independente. Não dá. Pelo menos eu faço o que amo. 49 mil seguidores nunca me trouxe um real. Trabalhe com o que ama e nunca mais amará nada em sua vida. O capitalismo carcomeu meus sonhos. Não era nada disso que eu esperava pra minha vida. Pra me equilibrar a médica me disse pra fazer academia. O suplício que é, caros, puxar ferro contra a vontade. A raiva dos aparelhos, das repetições, do lugar. Nada é pra mim. É isso que sinto ultimamente: nada é pra mim. Esse mundo não é pra mim. Aí eu durmo. Ontem, no metrô lotado no horário de pico, voltando pra minha casa no fim do mundo, além da última estação, descendo a ladeira, depois das escadas, no fundo do quintal, eu pensava: viver não é pra mim. E fui dormir às 8 da noite. Meu computador queimou. Arrumei outro, que não funciona. Dificulta escrever. Mas quem quer escreve em qualquer lugar!, diriam aqueles que acham que é assim. Já foi assim, tenho cadernos e cadernos preenchidos em mesas de bar, alguns até com trechos de livros. Isso era quando eu tinha tesão pela vida. Viver não está pra mim. São 4 da manhã e eu acordei. Marquei consulta com a psiquiatra. Eu não acho que estou deprimida, eu estou triste. Devia estar falando de: política, golpe, ditadura, aborto. Devia estar escrevendo meu livro. Devia estar prontinha pra ir malhar em algumas horas. Não. Essa cara de próspera é uma mentira. Minha vida ruiu e não consigo pensar em outra coisa. As pequenas coisas. Os narizes de gato, as lambidas do cachorro, o ninho de sabiá na árvore em frente à porta… ser estudada na faculdade. O que adianta ter a obra estudada se eu não consigo viver do meu trabalho? Quando eu morrer vai ser aquele auê. Até coleção capa dura vai sair. Viva, tomo no cu por ter escolhido seguir minha verve. Seja positiva, Clara, reclamar faz mal! Meu cu. Não estou podendo ser positiva. A gravidade emocional me puxa pro chão. Ironicamente, lamber sarjeta foi muito inspirador na juventude. Mas eu não sou mais jovem e só queria desfrutar do que construí. São 4h26. Nada de bom vai acontecer hoje. Não há perspectiva. Seja positiva, eu escuto. Agradeça! Não consigo. Vai clarear, eu escuto. Não está clareando. São 4h33. Vou voltar a dormir. Talvez eu esteja deprimida. Talvez seja apenas capitalismo.
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