Não, você não está velho pra isso
A sociedade quer nos impor regras e prazo de validade mas: não
Esses tempos, na rede social twitter (não vou chamar de X), jovens de 30 anos têm expressado que se sentem velhos e que suas vidas estão acabando. Suspiros. Entendo que existe uma pressão capitalista para “dar certo” e que somos muito fodidos da cabeça por isso, e que as mulheres sofrem ainda mais por cobranças, além de tudo, estéticas, como se tivéssemos prazo de validade, portanto, às vésperas de meus 45, resolvi deixar aqui fagulhas de esperança: não, jovem, sua vida não está acabando. Está começando. Aos 20 somos meros aprendizes da vida adulta, todos nós, por mais que tenhamos compromissos, responsabilidades, urgência por sustento. Uns mais que outros, é claro, não vamos ignorar aqui as questões de classe que fazem toda a diferença; mas a real é que, aos 20, temos pouca experiência em viver. Não importa de onde você venha, a adolescência está logo ali e a vida e suas mazelas só se apresentam mesmo com o tempo. Aos 30 algumas fichas começam a cair. E parece que está caindo de forma catastrófica para parte dessa geração. Particularmente estava bem na merda aos 30, mas jamais me passou pela cabeça que minha vida estava acabada por causa da minha idade. Acredito muito que as redes sociais, coisa que não existia dessa forma na minha época, ditando ideais de normalidade, felicidade e beleza como bombas no dia-a-dia dessa geração, ajuda a foder ainda mais a cabeça da galera, mas gente: parem.
A vida não tem prazo de validade. Enquanto estivermos aqui, podemos viver. Decidir mudar de área. Aprender a dançar. Usar a roupa que bem entendermos. Sabe o que vem com o tempo? A noção dessa liberdade. Não estou dizendo que é fácil, apenas que é possível. Enquanto estivermos vivos, há tempo.
Isso que estou longe de estar na minha melhor fase. A cabeça está uma bagunça, estou deprimida, me afogo em dívidas, já morei em bairros nobres e agora moro no extremo da Zona Sul de São Paulo, longe de tudo que eu conhecia, dos lugares que frequentava, da dança que semanalmente salva minha vida na ausência de terapia - e de dinheiro para tal. Uma bipolar sem tratamento. Uma bomba relógio, talvez. Porém, contudo, entretanto: nunca me senti tão bela e nunca estive tão consciente. Consciente das minhas más escolhas, consciente dos meus feitos, consciente dos meus vacilos e das minhas conquistas. Fiz péssimas escolhas sentimentais, profissionais, péssimas escolhas que, aqui na minha idade, consigo enxergar pra tentar consertar.
Neguei grandes editoras, achei que poderia gerir minha carreira de maneira independente, deu tudo errado e hoje sou uma escritora apenas encontrada em sebos, mesmo que meus livros sejam objetos de estudo em diversas faculdades. Minha maior crise hoje em dia não é a idade, mas o esquecimento. Não basta ter escrito nove fucking livros, é preciso se manter produzindo como se a vida, ela mesma, não colocasse impeditivos sobre isso. A pressa em escrever me trava. Preciso terminar aquele livro, mas é pesado, é uma história minha e estou tendo imensa dificuldade em revivê-la. É o meu tempo. Mas tenho pressa, porque ninguém vai me republicar se eu não chegar com algo novo. Não dá pra viver de passado, eu sei, mas sinto que, se eu não chegar chegando com o mais puro suco de Averbuck e com algo muito bom em breve, ficarei cada vez mais esquecida. Só que esse é um pensamento inimigo da arte. Como fazer arte com essa pressão? Como? Não é só arte, é meu sustento.
Eu, sabe, que abri caminho para tantas das novas escritoras, eu, que peitei aquele mercado de 25 anos atrás feito de uma panelinha de homens velhos e brancos, eu, que escrevo com tanta paixão e com todo o coração e com a convicção de que essa é minha missão, sinto que não estou sabendo jogar esse jogo e fiquei pra trás. Poderia, com mais esperteza e jogo de cintura, estar com uma vida bem confortável, mas não foi isso que aconteceu. Nem por isso acho que minha vida terminou. É uma crise horrível? É. Mas tem jeito, e eu só sei que tem jeito porque já passei por tanta merda nessa vida, mas tanta merda, e sobrevivi, que eu sei que vou sobreviver a mais essa. E sabe por que eu sei? Por causa do tempo. Do tempo em que estou nessa terra. Tudo tem algum jeito. Pode não ser fácil, pode não ser o que a gente quer, mas tem. E eu estou correndo atrás. Com 45 anos. Quase 45. Publicando desde os 16. Vivendo disso. Agora, vivendo mal, mas viva. Vou vencer mais essa. Não depende só de mim e do meu esforço, mas eu sei que tem jeito. Tenho medo do ostracismo, mas não tenho medo de viver.
Não me esqueçam.
*Está gostando da newsletter? Considere mudar sua assinatura para paga! Custa 10 reais mensais. Se meus textos fazem diferença na sua vida, você também pode fazer na minha. Tem interesse em ler meus livros mas não encontra? Eu tenho os PDFs pra vender! Pode entrar em contato respondendo a newsletter. Se preferir contribuir por pix: cepontinho@gmail.com.